Lançamento: 27 de agosto de 2002
Duração: 59’:19’’
Duração: 59’:19’’
Gravadora: Interscope, Ipecac Recordings
Produção:
Josh Homme, Eric Valentine, Adam Kasper - production on "The Sky Is Fallin'" and "Do It Again"
Josh Homme, Eric Valentine, Adam Kasper - production on "The Sky Is Fallin'" and "Do It Again"
Difícil mudar um paradigma musical. Fazer com que essa mudança tenha credibilidade e força pra resistir às críticas e não soar como mais um dos muitos modismos é mais difícil ainda. O Kyuss foi uma banda que tentou isso numa época em que o grunge de segunda linha dominava a mídia e todo som mais pesado era visto como retrógrado. Se foi o ponto alto de uma resistência contra a mesmice só resta lamentar o fim quase prematuro da banda. Mas desse fim surgiu um dos mais criativos grupos de rock dos últimos 20 anos. O Queens of Stone Age foi formado pelo guitarrista Joshua Homme e tem mais a cara de um projeto (um dos muitos em que ele é envolvido) do que de uma banda (de fato, além de Homme o único membro permanente era o baixista Nick Olivieri) e até esse Songs for the Deaf tinha lançado dois álbuns marcantes, um homônimo em 1998 e Rated R em 2000. Esse último tão bom que imaginar que o próximo álbum seria melhor se tornava uma tarefa difícil. Mas nunca duvide de Mr. Homme.
O som do Queens of the Stone Age pode ser resumido grosseiramente pela seguinte “fórmula”: riffs incomuns tocados com uma precisão impressionante e timbres hipnóticos, somados a melodias setentistas e letras repletas de ironia e que beiram muitas vezes um surrealismo lisérgico, próprio dos desertos que Homme gosta tanto de cantar. Mas, em verdade, o som que a banda faz é totalmente inclassificável. Foram rotulados como Stoner Rock, mas basta uma ouvida mais atenta pra ver que Homme não se limita ao estilo que ajudou a fundar com o Kyuss. Nesse Songs for the Deaf isso fica mais que claro.
O conceito do álbum é uma viagem de carro do deserto de Mojave até a cidade de Los Angeles, em que o rádio vai sintonizando as estações no caminho. Pra tornar a coisa mais explícita vários excertos de programas radiofônicos foram distribuídos entre as músicas. Para não fugir à tradição o disco conta com diversos músicos de apoio e participações especiais. As mais notáveis, sem dúvida nenhuma, são a de Dave Grohl, que voltava às baquetas que havia abandonado desde o fim do Nirvana, e de Mark Lanegan (Screaming Trees) que assina algumas canções com Homme, divide alguns vocais e toca guitarra.
O disco abre muito bem, com You Think I Ain't Worth a Dollar, But I Feel Like a Millionaire, com riffs hipnóticos, vocais que vão do agressivo ao melódico e mudanças rítmicas muito inteligentes. Se existe uma faixa que resume bem o que é esse disco é essa. Nada nela sobra, nada é de graça. É fria e calculista no bom sentido e ao mesmo tempo viajante como mescalina.
No One Knows traz um trabalho de guitarras muito sofisticado e inesperado, que serve de base para uma melodia setentista que carrega uma letra sobre uma viagem no deserto (da mente). A faixa foi o primeiro single do disco e teve direito a um vídeo repleto de humor non sense.
First it Giveth é uma faixa sobre a influência do uso de drogas na composição musical, que ao mesmo tempo que traz inspiração “nega toda inspiração” como o próprio Homme disse sobre o assunto. O refrão de melodia grudenta (First it giveth, then it taketh awayyyyyyyyaaaaayyyyyy) define o que é a música. Também ganhou um single (duplo) que trazia covers dos Subhumans (Wake Up Screaming) e dos Cramps (The Most Exalted Potentate of Love) e o vídeo da faixa.
As próximas 4 faixas reafirmam o conceito do disco com destaque para A Song for the Dead e The Sky is Fallin. Mas a melhor faixa vem a seguir. Go With the Flow é simplesmente uma das melhores composições de Homme e Olivieri. Tem melodia, riffões, vocal hipnotizante. É sexy como rock tem que ser e perversa como algo sexy tem que ser. Também ganhou vídeo, psicodélico ao extremo e que merece ser visto muitas vezes. Todo nas cores preto, branco e vermelho é um show de bom gosto. É o tipo de música que te faz querer ter uma banda só pra tocá-la. Foi indicada ao Grammy como melhor performance de Hard Rock e ganhou um single lançado em abril de 2003. Perfeita mesmo.
Das demais faixas God is in the Radio e a hidden track Mosquito Song merecem menção. Essa última traz a participação das belas irmãs Lenchantin (Ana e Paz, a melhor justificativa pra existência da Argentina) em cordas que simulam o som de um mosquito enquanto uma base incomum de violão recebe um dos vocais mais interessantes que Homme já fez. Tem um clima épico e ao mesmo tempo bufão, e ainda traz o verso Lullabies to Paralyze, que intitularia o disco seguinte da banda.
Tudo no disco é muito caprichado, e as diferentes versões do mesmo trazem acréscimos muito interessantes, como um cover do Kinks (Everybody’s gonna be happy) e uma versão ao vivo de The Lost Art of Keeping a Secret, nas versões japonesa e inglesa do play. Outras versões vinham com um DVD bônus com filmagens das gravações e outros presentes. A capa da versão em vinil, que ilustra esse texto é bem diferente da versão do cd, que pode ser vista clicando aqui.
Enfim, quem tem ouvidos que ouça. Essa é uma obra que redefine os caminhos da música no século 21, sem exageros. Um disco de anti-canções que nos leva a outro paradigma em termos de criação inusitada e inteligente. Uma anti-canção não deixa de ser uma canção, como um anti-romance (Ulisses, por exemplo) não deixa de ser um romance, e a anti-filosofia de Marx não deixa de ser uma filosofia. E é justamente nessa novidade radical que recria a psicodelia, o heavy metal e o rock alternativo que está a força desse Songs for the Deaf. Pra ouvir até a surdez, sem dúvida alguma.