Queens of the Stone Age – Songs for the Deaf (2002)


Lançamento: 27 de agosto de 2002
Duração: 59’:19’’

Gravadora: Interscope, Ipecac Recordings

Produção:
Josh Homme, Eric Valentine, Adam Kasper - production on "The Sky Is Fallin'" and "Do It Again"


Difícil mudar um paradigma musical. Fazer com que essa mudança tenha credibilidade e força pra resistir às críticas e não soar como mais um dos muitos modismos é mais difícil ainda. O Kyuss foi uma banda que tentou isso numa época em que o grunge de segunda linha dominava a mídia e todo som mais pesado era visto como retrógrado. Se foi o ponto alto de uma resistência contra a mesmice só resta lamentar o fim quase prematuro da banda. Mas desse fim surgiu um dos mais criativos grupos de rock dos últimos 20 anos. O Queens of Stone Age foi formado pelo guitarrista Joshua Homme e tem mais a cara de um projeto (um dos muitos em que ele é envolvido) do que de uma banda (de fato, além de Homme o único membro permanente era o baixista Nick Olivieri) e até esse Songs for the Deaf tinha lançado dois álbuns marcantes, um homônimo em 1998 e Rated R em 2000. Esse último tão bom que imaginar que o próximo álbum seria melhor se tornava uma tarefa difícil. Mas nunca duvide de Mr. Homme.


O som do Queens of the Stone Age pode ser resumido grosseiramente pela seguinte “fórmula”: riffs incomuns tocados com uma precisão impressionante e timbres hipnóticos, somados a melodias setentistas e letras repletas de ironia e que beiram muitas vezes um surrealismo lisérgico, próprio dos desertos que Homme gosta tanto de cantar. Mas, em verdade, o som que a banda faz é totalmente inclassificável. Foram rotulados como Stoner Rock, mas basta uma ouvida mais atenta pra ver que Homme não se limita ao estilo que ajudou a fundar com o Kyuss. Nesse Songs for the Deaf isso fica mais que claro.


O conceito do álbum é uma viagem de carro do deserto de Mojave até a cidade de Los Angeles, em que o rádio vai sintonizando as estações no caminho. Pra tornar a coisa mais explícita vários excertos de programas radiofônicos foram distribuídos entre as músicas. Para não fugir à tradição o disco conta com diversos músicos de apoio e participações especiais. As mais notáveis, sem dúvida nenhuma, são a de Dave Grohl, que voltava às baquetas que havia abandonado desde o fim do Nirvana, e de Mark Lanegan (Screaming Trees) que assina algumas canções com Homme, divide alguns vocais e toca guitarra.


O disco abre muito bem, com You Think I Ain't Worth a Dollar, But I Feel Like a Millionaire, com riffs hipnóticos, vocais que vão do agressivo ao melódico e mudanças rítmicas muito inteligentes. Se existe uma faixa que resume bem o que é esse disco é essa. Nada nela sobra, nada é de graça. É fria e calculista no bom sentido e ao mesmo tempo viajante como mescalina.


No One Knows traz um trabalho de guitarras muito sofisticado e inesperado, que serve de base para uma melodia setentista que carrega uma letra sobre uma viagem no deserto (da mente). A faixa foi o primeiro single do disco e teve direito a um vídeo repleto de humor non sense.


First it Giveth é uma faixa sobre a influência do uso de drogas na composição musical, que ao mesmo tempo que traz inspiração “nega toda inspiração” como o próprio Homme disse sobre o assunto. O refrão de melodia grudenta (First it giveth, then it taketh awayyyyyyyyaaaaayyyyyy) define o que é a música. Também ganhou um single (duplo) que trazia covers dos Subhumans (Wake Up Screaming) e dos Cramps (The Most Exalted Potentate of Love) e o vídeo da faixa.


As próximas 4 faixas reafirmam o conceito do disco com destaque para A Song for the Dead e The Sky is Fallin. Mas a melhor faixa vem a seguir. Go With the Flow é simplesmente uma das melhores composições de Homme e Olivieri. Tem melodia, riffões, vocal hipnotizante. É sexy como rock tem que ser e perversa como algo sexy tem que ser. Também ganhou vídeo, psicodélico ao extremo e que merece ser visto muitas vezes. Todo nas cores preto, branco e vermelho é um show de bom gosto. É o tipo de música que te faz querer ter uma banda só pra tocá-la. Foi indicada ao Grammy como melhor performance de Hard Rock e ganhou um single lançado em abril de 2003. Perfeita mesmo.


Das demais faixas God is in the Radio e a hidden track Mosquito Song merecem menção. Essa última traz a participação das belas irmãs Lenchantin (Ana e Paz, a melhor justificativa pra existência da Argentina) em cordas que simulam o som de um mosquito enquanto uma base incomum de violão recebe um dos vocais mais interessantes que Homme já fez. Tem um clima épico e ao mesmo tempo bufão, e ainda traz o verso Lullabies to Paralyze, que intitularia o disco seguinte da banda.

Tudo no disco é muito caprichado, e as diferentes versões do mesmo trazem acréscimos muito interessantes, como um cover do Kinks (Everybody’s gonna be happy) e uma versão ao vivo de The Lost Art of Keeping a Secret, nas versões japonesa e inglesa do play. Outras versões vinham com um DVD bônus com filmagens das gravações e outros presentes. A capa da versão em vinil, que ilustra esse texto é bem diferente da versão do cd, que pode ser vista clicando aqui.



Enfim, quem tem ouvidos que ouça. Essa é uma obra que redefine os caminhos da música no século 21, sem exageros. Um disco de anti-canções que nos leva a outro paradigma em termos de criação inusitada e inteligente. Uma anti-canção não deixa de ser uma canção, como um anti-romance (Ulisses, por exemplo) não deixa de ser um romance, e a anti-filosofia de Marx não deixa de ser uma filosofia. E é justamente nessa novidade radical que recria a psicodelia, o heavy metal e o rock alternativo que está a força desse Songs for the Deaf. Pra ouvir até a surdez, sem dúvida alguma.

Tool - Lateralus (2001)


Lançamento: 15 de maio de 2001
Duração: 78’:58”
Gravadora: Volcano Records
Produtor: David Bottrill and Tool


Se você gosta de um som redondinho e linear, com melodias fáceis e sacadas simples, esse não é seu disco. Aliás, nunca ouça nada do Tool. A banda tem um talento incrível para assinaturas de tempo estranhas e complexas, bem como para riffs e licks minimalistas e que remetem a ambientes sombrios e caóticos. Sendo definido por uns como metal progressivo, por outros como art rock o Tool não é um grupo fácil de se rotular. A musicalidade aqui é profunda, a proposta estética é sutil e obscura. Coisa séria mesmo. Fãs de Green Day, entrem em desespero.


Lateralus ( a pronúncia correta é /lætərˈælɪs/) é o terceiro disco do Tool e radicaliza bastante a proposta sonora do grupo. Mais arrastado que o anteriores, o disco é recheado de músicas longas e ritmos incomuns. A performance do baterista Danny Carey é impressionante. Carey utiliza a percussão com um estilo quase ritualístico, fluido e ao mesmo tempo complexo, reproduzindo formas geométricas de forte simbolismo no mundo do ocultismo. O resultado é uma bateria onipresente mesmo nas paradas e nos silêncios da música, hipnótica, sedutora, como se conduzisse uma dança macabra.


A bateria conduz o instrumental que parece crescer em círculos, formando uma espiral que traz a sensação de esbarrar em seus limites a todo momento, como se provocasse algo...a própria morte, talvez. O disco parece nos lançar num violento turbilhão, repleto de sensações estranhas. O guitarrista Adam Jones abusa de breakdowns e riffs intricados, e já mostra a que veio na primeira das 13 faixas, The Grudge. Com seus 8’:36’’a música inicia com linhas de baixo muito bem feitas, num jogo de pergunta e resposta, cortesia do homem das quatro cordas Justin Chancellor. A letra é inspirada no romance de Nathaniel Hawthorne, A Letra Escarlate (The Scarlet Letter), e é uma reflexão sobre culpa, pecado, redenção. O vocalista Maynard James Keenan dá seu show de costume. Não há como negar que Keenan é uma das figuras mais criativas e representativas da música pesada nos últimos anos. A personalidade que impõe ao vocal, além da postura de palco e de suas letras transgressoras o transformaram num dos elementos principais da arquitetura sonora do Tool. Num estilo tão carente de músicos geniais o Tool tem a sorte de reunir quatro deles.


Eon Blue Apocalypse é um interlúdio musical dedicado à Eon, o cão de Jones que morreu de câncer ósseo. The Patient é negativista e temperamental, obra de uma banda madura e que não precisa recorrer a artificialismos pra criar. Nessa canção fica clara uma das propostas do disco. O encaixe perfeito, simétrico, hermético de letra e música. Ouvir as letras é uma experiência musical tão grande quanto a parte propriamente musical do disco.


Mas após o choque de Patient segue Mantra, um interlúdio ao estilo “missa negra”, em que efeitos aplicados aos sons de um dos gatos de Maynard sendo carinhosamente “espremido” pervertem o som universal do OM. Tudo isso cria o ambiente perfeito para uma das melhores faixas do álbum, a vencedora do Grammy pela melhor perfomance de metal, Schism. Uma faixa minimalista, com tempos incrivelmente complexos e várias camadas sonoras que se sobrepõem num crescendo perturbador. A letra fala de simetria, separação, identidade, comunicação. Ao mesmo tempo que fala de duas pessoas traz em si uma inspiração universal, representada pelo clima cósmico que a guitarra de Jones constrói. Schism foi o primeiro single e o primeiro vídeo de Lateralus.

Quando Schism termina temos Danny Carey soprando em um tubo e gerando sons budistas que servem de cama para Parabol. Com letra e melodia mântricas ela é uma introdução para uma das mais completas músicas do Tool, Parabola. O vídeo promocional reúne ambas as peças, deixando loucos os programadores da MTV que tiveram de encaixar um vídeo de mais de 9’ na programação. Assim como o vídeo de Schism é repleto de imagens abstratas e cenas perturbadoras, dirigidas por Adam Jones. A música é sublime, mantendo o clima religioso que se inicia com Parabol. A letra fala de libertação do corpo, num sentido budista/platônico (Platão dizia que o corpo é uma prisão para a alma, lição retomada depois pelo cristianismo) e o vocal de Maynard é inteiramente presente nessa canção. Parabola foi o segundo single de Lateralus.


Em meio a tantos climas minimalistas e viagens alguém poderia sentir falta daquele Tool raivoso e virulento que Aenima e Undertow traziam. Mas somente até ouvir Ticks & Leeches. O Maelstrom sonoro te lança pra todos os lados. Maynard canta como um possesso, e Carey nos presenteia com uma de suas mais inspiradas apresentações. Não é a toa que essa faixa deu a Carey o prêmio de melhor perfomance de bateria numa lista de 100 melhores realizada pela Digital Dream Door. O álbum ocupou a mesma posição numa lista de melhores baterias em disco.


Lateralus, a faixa título, traz de volta o minimalismo e nos pede para “sentir o ritmo”. A figura rítmica dessa faixa é construída sobre a famosa sequência de Fibonacci. A letra é escrita no mesmo padrão, e os riffs são hipnóticos. Jones desconstrói os próprios timbres de uma forma inteligente e forte. O nome da faixa e do disco é uma combinação de Vastus Lateralis, o nome de um músculo da perna humana e Lateral Thinking, um método de solução de problemas complexos através de abordagens criativas. Mente e corpo mesclados. A letra trata da obsessão humana por conhecimento e compreensão do universo, conclama a uma maior conexão com o próprio ser e com o cosmo, mas sem baboseiras hippies ou ladainhas de nova era. Aqui a coisa é séria, já disse.

Os vocais mântricos retornam em Disposition, faixa que poderia estar perfeitamente em um disco do A Perfect Circle, projeto paralelo do Maynard, e que traz muitos sons minimalistas e psicodélicos. Reflection é a maior faixa do álbum, com impressionantes 11’:07’’ repletos de loops e “efeitos borracha” que resultam num instrumental circular e psicodélico. É a faixa mais progressiva do disco, remetendo claramente a Pink Floyd e King Crinsom, influências óbvias da banda. Triad é uma instrumental totalmente maluca, pesada, selvagem. Uma música que soa incontrolável. A impressão que passa é que ela sairá do controle dos próprios músicos. O trabalho percussivo é novamente exemplar e o ouvinte chega na última faixa, Faaip de Oiad, precisando tomar fôlego. O nome da música é o termo enoquiano para “Voz de Deus”. O idioma enoquiano foi retirado dos diários do John Dee, filósofo e ocultista do século XVI, e seu amigo Edward Kelley, segundo eles uma língua ensinada por anjos herméticos. A letra da faixa é, por sua vez, o sample da rádio Coast to Coast, que recebeu uma ligação durante o programa Art Bell Show, em que um homem se dizendo um operário da Área 51 tentava avisar sobre uma série de desastres que estariam para acontecer. Antes do estranho terminar sua fala a rádio saiu do ar por cerca de 30’. Várias semanas depois o tal empregado ligou novamente se desculpando pelo factóide, mas alguns fatos inexplicáveis teriam ocorrido nesse período de tempo. Bom, vai saber.


Novamente, se você gosta de coisas alegrinhas e simples nunca ouça esse álbum. Com ele o Tool se eleva a uma das bandas fundamentais da música pesada. Original, contundente, provocadora e violentamente transgressora. São bandas como o Tool que justificam a existência do metal e da música artística e progressiva. O resto é pastiche.

Pantera - Reinventing The Steel (2000)


Ano de lançamento: 2000

Duração: 43':50"

Produção: Dimebag Darrell, Vinnie Paul, Sterling Winfield

Gravadora: East West


Os problemas com drogas de Phil Anselmo quase enterraram o Pantera. O disco anterior, Great Southern Trendkill, criado dentro desse clima, refletia com fidelidade esse momento confuso, com letras sobre o mundo e as conseqüências das drogas e músicas violentas e dissonantes, muitas com uma forte influência de grindcore. Sem mencionar que as dissidências de Phil com a banda fizeram que ele gravasse os vocais em Nova Orleans e a banda gravasse suas partes no Texas. Até então o Pantera parecia ser a banda a prova de balas. Extrema, pesada, técnica, praticamente perfeita. A carreira que se reformula a partir do primoroso Cowboys from Hell (1990) foi uma das mais marcantes que uma banda de metal já construiu, ainda mais se considerarmos que nem público e mídia estavam tão interessados em heavy metal nessa época. Great Southern Trendkill é o momento em que o colosso olha para os próprios pés e vacila. Não é um disco ruim, longe disso na verdade, mas a banda não era mais a máquina impossível de ser detida.

O hiato de quatro anos até Reinventing the Steel não fechou todas as feridas nem solucionou todos os problemas, mas afastou boa parte do clima pesado que assombrava a banda. É um disco de reafirmação, isso é claro. Como se a banda gritasse que ainda estava lá pra “mostrar quem é homem nessa porra”. Nada mais normal então que as letras falem da banda como as profissões de fé We'll Grind that Axe for a Long Time e Yesterday Don't Mean Shit. Essa última recheada de riffs bem ao estilo de Dimebag Darrell que levam o Power/groove da banda ao seu melhor. Mas o disco tem outros grandes momentos. Goddamn Electric e You've Got to Belong To It, homenagens de peso aos fãs da banda, a primeira com participação do amigo de longa data e guitarrista do Slayer (banda citada na letra inclusive) Kerry King.

I'll Cast a Shadow é uma canção sobre a influência da banda no estilo que sempre defenderam sublimemente. Se não fosse pelos vocais gritados de Phil essa música poderia muito bem estar num disco do Black Sabbath (outra banda citada em Goddamn Electric). Os riffs poderosos tocam ao fundo as influências da banda que aquela altura já estava ombro a ombro com os gigantes da raça.


Um dos destaques do disco é Revolution Is My Name. A letra conta a história de Phil Anselmo e a coloca como uma constante superação. Talvez seja a que mais envie o recado “cuidado! O Pantera está de volta”, com melodias e riffs que aliam Black Sabbath a um Judas Priest depois de anos de esteróides atômicos. Ainda sobre o Sabbath, o single de Revolution Is My Name trazia um cover de Hole In The Sky, dos pioneiros da música pesada, obsessão do Pantera, que já havia regravado Planet Caravan no Far Beyond Driven, mas que talvez seja fruto do tempo passado com a banda na estrada naquela época.


Outra influência, mais sutil é verdade, é a do Sepultura. It Makes Them Disappear lembra o gigante brasileiro tanto nos ritmos que Vinnie Paul comanda quanto nos timbres da guitarra de Dimebag. O Pantera havia excursionado com o Sepultura e as bandas eram realmente amigas. Quando da conquista do tetra campeonato pela seleção brasileira as bandas tinham um show juntas. Anselmo subiu ao palco vestido com uma camiseta da seleção e o Sepultura tocou com os rostos pintados. Uma bela festa de dois ícones da música extrema.

Hoje, quando se ouve Reinventing the Steel lamenta-se que a volta do Pantera nunca tenha se consolidado realmente. A sensação de que a reafirmação ficou no meio do caminho é muito nítida. A morte chocante de Darrell anos depois (assassinado em pleno palco quando se apresentava com sua banda, Damageplan) lançou uma sombra de tremenda nostalgia sobre o legado do Pantera (incluindo os projetos dos membros da banda após o fim da mesma), mas com mais força sobre esse álbum, o último antes da separação conturbada que pôs fim a um dos mais empolgantes grupos da história do heavy metal.

Um disco que a banda dedicou aos fãs e que honra bem toda dedicação votada por eles ao Pantera. Se além do nome, a reinvenção não é a prioridade do disco isso pouco importa. Reinventing the Steel é o Pantera mostrando os dentes depois de tempos conturbados, sem esconder as cicatrizes passadas e com a crença num futuro que infelizmente não veio.


Ficha técnica:

Faixas:
"Hellbound" – 2:41
"Goddamn Electric" – 4:58
"Yesterday Don't Mean Shit" – 4:19
"You've Got to Belong to It" – 4:13
"Revolution Is My Name" – 5:19
"Death Rattle" – 3:17
"We'll Grind That Axe for a Long Time" – 3:44
"Uplift" – 3:45
"It Makes Them Disappear" – 6:22
"I'll Cast a Shadow" – 5:22

Line-up:
Phil Anselmo – Vocals
"Dimebag" Darrell – Guitar
Rex Brown – Bass
Vinnie Paul – Drums
Kerry King – Outro guitar on "Goddamn Electric"


Nevermore - Dead Heart in a Dead World (2000)



Ano de lançamento: 2000
Gravadora: Century Media Records
Produção: Andy Sneap
Duração: 56:44




Essa série de resenhas não poderia começar de melhor forma, a década 00 também não. Dead Heart In a Dead World é aquele tipo raro de disco que pode receber o predicado de sublime sem o menor receio. Tudo nele soa inteligente, coeso, forte, polido, perfeito. Mais do que a consolidação do belo trabalho que o Nevermore já vinha fazendo desde seu debut homônimo, lançado em 1995, Dead Heart in a Dead World é um disco revolucionário, no duplo sentido que esse termo carrega: um retorno aos sons primários do grupo (e de seu antecessor de morte prematura, o Sanctuary) e um passo a frente em direção a um som moderno, com inclusão de guitarras de sete cordas, afinações incomuns e grooves até então não experimentados. Tudo isso belamente produzido pelo fundamental Andy Sneap, que ajudou a fundir com maestria elementos de technical thrash metal, doom, progressivo e passagens acústicas de beleza inegável.


Apesar de não ser um álbum assumidamente conceitual, Dead Heart In a Dead World repisa em praticamente todas suas letras o tema da ausência de sentido e da solidão do mundo contemporâneo, pontualmente interrompidas (ou suplementadas, quem sabe?) por críticas ao sistema político e prisional americano (Inside Four Walls) e preocupações ambientais que se metaforizam em reflexões existenciais (The River Dragon Has Come, sobre o rio chinês Yangtze, que está sendo represado na maior obra chinesa desde a grande muralha e que somente no século XX matou milhões de pessoas através de enchentes).



Warrel Dane continua o crítico niilista e melancólico da condição humana que sempre se mostrou e sua voz consegue transmitir bem a essência (ou ausência) que caracterizam esse niilismo. Não é a toa que a banda “desconstruiu” (com todas as conseqüências que esse termo pode trazer) a clássica The Sound of Silence, composição de 1964, saída da pena do talentoso Paul Simon. A banda se apropriou do conceito da canção, escrita numa tentativa de capturar o trauma da nação americana após o assassinato do Presidente John Kennedy (novembro de 1963) e incorporou o silêncio existencial que ela descreve ao niilismo que perpassa todo o trabalho. Ainda que divida opiniões mesmo entre os fãs não há como negar que ela parece ter sido composta para o álbum, resumindo e ao mesmo tempo fazendo parte belamente de seu conceito.


Nessa linha, Dane continua “jogando na cara” o fastio de nossa condição atual. Em Engines of Hate, uma das mais agressivas canções do álbum, ele retrata a alienação presente na sociedade industrial, na nossa conversão em “suínos sagrados” pelas linhas de produção. Como diria Hannah Arendt a transformação do Homo Sapiens no Animal Laborans. O eu-lírico da canção pergunta se pode ser nosso “demônio pessoal”, uma óbvia e pervertida referência ao Personal Jesus do Depeche Mode, e um resgate da “ética” que envolvia as figuras demoníacas na literatura do final da modernidade, em que Satã só “tenta com a verdade” (Milton, Paraíso Perdido), ou o demônio que nos revela a verdade sobre o Eterno Retorno (O mais pesado dos pesos) em A Gaia Ciência de Friedrich Nietzsche.


As duas últimas canções do álbum explicitam ainda mais esse conceito. Em Believe in Nothing, Dane nos mostra a inutilidade da crença em um sagrado metafísico diante da nossa comprovada finitude. Camusianamente ele canta:




Nothing is sacred when no one is saved
Nothing's forever so count your days
Nothing is final and no one is real
Pray for tomorrow and find your empty still


(Nada é sagrado quando nada está a salvo
Nada é eterno, então conte seus dias,
Nada é definitivo e ninguém é real,

Reze pelo amanhã e encontre seu vazio)



E na faixa título transforma o niilismo em “profissão de fé”, convertendo a negação na própria solução para o vazio. Um refrão de heresia violenta transmuta-se em afirmação pessoal:


Burn your gods and kill the king
Subjugate your suffering
Dead heart in a dead world


(Queime seus deuses e mate o Rei,
Subjugue seu sofrimento,
Coração morto em um mundo morto)


Enfim, uma obra-prima, dessas de audição obrigatória. Numa época de discos cada vez mais superficiais e de fácil “digestão”, ou mesmo que evocam uma profundidade aparente, o Nevermore ousou criar um álbum (ma)duro, crítico, profundo e musicalmente instigante. Não acredite em nada além disso.




Ficha técnica:


Faixas:


Narcosynthesis - 5:31
We Disintegrate - 5:11
Inside Four Walls - 4:39
Evolution 169 - 5:51
The River Dragon Has Come - 5:05
The Heart Collector - 5:55
Engines of Hate - 4:42
The Sound of Silence (Simon & Garfunkel cover) - 5:13
Insignificant - 4:56
Believe in Nothing - 4:21
Dead Heart in a Dead World - 5:08


Line-up e técnica:


Warrel Dane - vocal
Jeff Loomis - guitarra
Jim Sheppard - baixo
Van Williams - bateria
Andy Sneap - produção, engenharia, mixagem, masterização
Justin Leeah - engenharia adicional
Bobby Torres - engenharia adicional
Travis Smith - ilustração, design, layout
Karen Mason-Blair - fotografia da banda
Neil Sussman - representação legal

Os 20 melhores da década

Começam a ser postadas hoje as resenhas sobre os 20 melhores discos dessa década. Para evitar discussões pouco produtivas sobre a ordem e o chato "esse é melhor que aquele e tal..." as postagens seguirão uma ordem cronológica, começando com os lançamentos do ano 2000 e seguindo até os dias de hoje.
O primeiro disco resenhado foi o belíssimo Dead Heart in a Dead World do Nevermore. Obrigado a todos que enviaram sugestões até o momento pelo orkut e pelo twitter, continuem a sugerir discos, ok?
I uncreate, I desecrateI spit the truth into the engines of hate

"Lars não pode me manter fora do Hall of Fame"

Na edição de setembro da revista britânica Metal Hammer, o guitarrista/vocalista/compositor e dono da bola do MEGADETH, Dave Mustaine, explica as razões por trás de sua decisão de declinar o convite para assistir a entrada do METALLICA no Rock And Roll Hall Of Fame. Mustaine, que foi um membro do Metallica por menos de dois anos, de 1981 a 1983, antes de ser demitido e substituído por Kirk Hammett, disse para a publicação:
"Lars [Ulrich, baterista do Metallica] me disse: 'Se você esteve em algum disco, você está dentro (do Hall), se você não esteve em nenhum disco, você não ', e eu iria até lá assistí-los serem conduzidos? Eu estava como, 'Cara, isso é tão típico! "Com o mesmo tipo de sentimento de um cara assistindo algum outro cara foder sua namorada. Eu apenas disse: "Estou lisonjeado e eu estou orgulhoso de vocês e desejo-lhes bem. Eu estarei lá se eu estiver sendo empossado, mas se for para assistir, então eu tenho coisas melhores para fazer. " Mustaine acrescenta: "Dizer que eu não estou no disco? Bem, eu diria que há 40 milhões de fãs com os discos do Megadeth e do Metallica em suas coleções que diriam que Dave está nos discos do METALLICA porque meu nome está lá [nos créditos enquanto compositor], mas acho que Lars nunca olhou realmente depois da palavra "Ulrich" ." Ele só parou por aí e a leu novamente, mais e mais e mais! "A questão é, eu estou indo para entrar no Rock And Roll Hall Of Fame de uma maneira ou de outra, e ele não pode me manter fora! Quando acontecer, eu vou pedir-lhe para induzir-nos e eu vou dar ovos a todos na primeira fila! [Risos] " Mustaine publicamente recusou o convite do METALLICA para assistir em 4 de abril a cerimônia do Rock And Roll Hall Of Fame, alegando compromissos de turnê européia, mas emitiu um comunicado parabenizando a banda. Quando perguntado sobre o porque de Mustaine não ser introduzido no Hall Of Fame, juntamente com os atuais membros do Metallica, Lars Ulrich disse ao jornal The Plain Dealer em uma entrevista de abril 2009, "Você tem que ter um tipo de critério em algum lugar. Dave Mustaine nunca tocou em nenhum dos álbuns do METALLICA. Nenhum desrespeito a ele. Mas, [havia] uma meia dúzia de outras pessoas que estavam na formação da banda nos primeiros dias. "Nós pensamos. . . a coisa justa a fazer seria incluir qualquer um que tocou em um disco do Metallica. "Dave Mustaine esteve na banda por 11 meses, predominantemente, em 1982. . . . Eu não estou tentando jogá-lo para baixo. Eu não tenho nada, além de respeito e admiração por suas conquistas desde então. "
Mais informações, em inglês, aqui.

Rodrigo y Gabriela fazem homenagem à "Dime" Darrell

O duo mexicano de violões Rodrigo y Gabriela, que apresenta composições acústicas agressivas misturando heavy metal com ritmos latinos e forte influência erudita, e ainda trabalha versões de bandas como Metallica, vai lançar um novo álbum no dia 8 de setembro, intitulado "11:11".
O disco traz 11 composições inéditas definidas pelo duo como "Gracias" da banda a 11 músicos, do passado e do presente, que os inspiraram ao longo da carreira. Uma das faixas, "Atman" (palavra em sânscrito que se refere à parte humana imune à morte, próxima do conceito ocidental de alma) é dedicada ao guitarrista do PanterA e do Damageplan, Dimebag Darrell. Darrell foi assassinado em pleno palco enquanto se apresentava com o Damageplan em 2004. A faixa conta ainda com a partipação de Alex Skolnick, gênio das seis cordas da legendária banda de thrash metal Testament.
O duo já liberou o áudio da faixa, que pode ser ouvida aqui, e o tracklist do álbum:
01. Hanuman
02. Buster
Voodoo
03. Triveni
04. Logos
05. Santo Domingo
06. Master Maqui (with guests Strunz & Farah)
07. Savitri
08. Hora Zero
09. Chac Mool
10. Atman (with guest Alex Skolnick)
11. 11:11